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domingo, 7 de agosto de 2011

A genialidade em Pessoa-João Nery

A genialidade em Pessoa
João Nery

Difícil é precisar quem a arte e quem o artista. Quem o criador, quem a criatura, quem o louco ou quem a loucura. Hora um, e tantas vezes outros, seus feitos, feito verdades inacabadas, encontraram nas turvas páginas do tempo o não-espaço perfeito para a recriação do seu mundo. E assim, contrariando as predições de todos os vates, que nada disseram a seu respeito, apoderou-se de uma pena que, tendo pena de seus prantos, atendeu aos seus delírios: haja vida! E a vida se fez. - Nascia um amigo sem rosto e sem alma, porém à sua neurastênica imagem e semelhança psíquica, com quem trocou as ingênuas confidências de um menino prodígio. Menino que, como criatura, experimentou a dor da perda precoce, do medo, do exílio e da solidão. Como criador a si mesmo devorou o estro e, com a irreprimível benevolência dos iniciados, poupou a costela do ser criado e retirou de suas próprias entranhas, outros e tantos que os sucederam, para que se cumprisse o profético: crescei e multiplicai-vos! - emudecido nas entrelinhas de uma epístola nunca escrita. Sendo o criador, nada ordenou, nada pediu, apenas sugeriu que salpicassem de sonhos a Terra e que todas as artes se submetessem a uma reverificação.

Para que se cumprissem os desígnios de uma inverdade artística, generosamente, deu às suas criaturas as próprias mãos. E, numa demonstração de desapego às glórias efêmeras, delegou ao mais simples dos seus criados, o atributo de mestre a quem se submeteu bem como lhe seguindo o exemplo o fizeram, campos, reis e outros inexistentes seres.

Não estamos diante de um ser incriado, conta-se que seu surgimento se deu no final do século dezenove. Seu pai, funcionário público e crítico musical nas horas de ócio, de quem o inquieto menino herdara o gene da arte, o deixou muito cedo, uma perda que, por toda vida, lacunaria sua inocente alma. Sua mãe, em seguida, desposada, vai dividir seu afeto com os membros de uma nova estirpe, deixando ao pequeno gênio, sobrados motivos para quedar-se cismativo e absorto, ante a voluptuosidade do delírio que lho perturbava o espírito.

Uns o tinham como louco. Outros, o concebiam como um gênio, daqueles que surge a cada mil anos. Quanto a ele por si mesmo, apenas um “fingir dor.” Se ninguém é profeta em sua terra, compreende-se o não reconhecimento de sua MENSAGEM, a perseguição aos seus ideários e a incompreensão dos seus ensinamentos. Teria ele vivido à frente do seu tempo? Quanto tempo? Ou teria sido aquele que haveria de destruir todos os clássicos e reedificá-los sob o primor de uma nova estética? Porém, vindo despido dos convencionalismos que maculavam a intelectualidade vigente, foi rejeitado, injustiçado e oprimido, principalmente por aqueles que necessariamente deveriam compreendê-lo.

Eis o destino de um profeta. Não bastasse a demonstração de humildade ao servir quando deveria ser servido, precisou também testificar os seus milagres. Conta-se que ao lançar sua verve no translúcido mar de palavras, tantas e diversificadas foram as produções que, as folhas de papel, tornaram-se escassas e as almas dos seres insuficientes para absorvê-las. Ainda assim, muitos foram os que o subjugaram.

Viveu este homem privado de todos os confortos que almejam os mortais. Na solidão do seu humilde aposento, teve como companheiros seus delírios e suas lágrimas e como refúgio “o fundo de uma depressão sem fundo”. Aos quarenta e sete anos, era um velho cansado, tamanho o peso de todas as dores, medos e angústias que jaziam em suas retinas. Sua causa-morte continua um indelével mistério como misteriosa também foi sua tenra vida. Sabe-se apenas que naquela fatídica noite de novembro do ano de mil novecentos e trinta e cinco, seu corpo, ébrio e dorido, entregava-se às agruras da terra, enquanto sua alma, abstêmia liberta, recebia as glórias do universo.

No principio era o verbo, e o verbo estava com ele, e o verbo era ele. Todos os outros foram feitos por meio dele e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a verve e a verve era luz da vida. A luz resplandece nas mentes, mas a sua arte prevaleceu sobre ela. Certamente, Amém!


Postado por João Nery às 18:44 2 comentários


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